As investigações do Ministério Público da Bahia (MP-BA) apontaram
que Joneuma Silva Neres, ex-diretora do Conjunto Penal de Eunápolis,
e o detento foragido Ednaldo Pereira de Souza, o "Dadá",
negociavam votos por R$ 100 para beneficiar políticos. De acordo com o processo,
Joneuma passou a trabalhar "politicamente" para uma organização
criminosa baiana. Ela foi presa e denunciada por facilitar a fuga de 16 detentos do presídio, em dezembro do ano passado.
A ex-diretora intermediava encontros entre o amante, Dadá, e o então
candidato a prefeito de Teixeira de Freitas, o ex-deputado federal Uldurico Jr. (MDB).
O então candidato a vereador do município de Eunápolis, Alberto Cley Santos
Lima, conhecido como Cley da Autoescola (PSD),
também comparecia a esses encontros. O homem é apoiado politicamente pelo
ex-deputado federal.
O documento aponta que, na condição de padrinho "politico" de
Joneuma, Uldurico Jr. passou a ter encontros repetidos com Dadá e outros
membros da organização criminosa dele, dentro do Conjunto Penal de Eunápolis,
com a participação da ex-diretora do local. Estes encontros eram cercados de
cuidados "especiais" por parte de Joneuma, para que não ficassem
registrados nas câmeras de segurança ou arquivos do Conjunto Penal.
Depoimentos colhidos apontaram ainda que a intermediação de Joneuma
chegou a lhe render valores próximos de R$ 1,5 milhão. A defesa dela nega. "Em
nenhum momento, ela recebeu qualquer tipo de valor. Foi requerida pela Polícia
Civil a quebra do sigilo bancário dela. No momento que eles quiserem, eles têm
acesso", disse o advogado Artur Nunes.
Fornecimento de eleitores cativos
As investigações apontam que a intenção da ex-diretora do Conjunto
Penal, ao intermediar os encontros entre membros do grupo criminoso e o
ex-deputado federal era:
acobertar "politicamente" as atividades criminosas;
favorecer as ações criminosas do grupo, as quais se desenvolviam,
escancaradamente, dentro do Conjunto Penal de Eunápolis.
A moeda de troca entre a primeira denunciada e o então candidato a
prefeito de Teixeira de Freitas era o fornecimento de "eleitores
cativos". Em troca, Uldurico Jr. a apoiaria politicamente para manter-se
na administração do Conjunto Penal, representando os interesses da organização
criminosa.
Entre os eleitores cativos se incluía tanto os presos provisórios
faccionados do grupo, que podiam votar, como os amigos e familiares deles.
Segundo o depoimento de um dos internos da unidade, o voto compromissado
era comercializado e cada eleitor aliciado recebia o dinheiro.
Direcionamento de contratações e demissões
Ainda de acordo com o documento, para exercer o controle absoluto do
Conjunto Penal de Eunápolis, e promover as atividades ilícitas para o amante e
o grupo criminoso a qual ela passou a integrar, Joneuma começou a direcionar as
contratações e demissões dos servidores do presídio. Assim, servidores que
"não fechavam os olhos" ou compactuavam com as ordens eram
intimidados ou demitidos. As demissões eram direcionadas por Joneuma, Dadá,
dois dentistas, uma psicóloga e dois advogados.
Os demitidos eram substituídos por pessoas ligadas à ex-diretora do
presídio, que chegou a contratar a irmã Jocelma Neres como advogada em defesa
dos interesses do grupo criminoso, no Conjunto Penal de Eunápolis. Jocelma
confirmou que trabalhou na unidade, mas disse que o acesso era apenas de
atendimento aos internos.
Presídio sob comando do crime organizado
Além de Joneuma, outras 17 pessoas foram denunciadas pelo Ministério
Público da Bahia. Entre elas, Wellington Oliveira Sousa, ex-coordenador de
segurança do presídio — cargo de confiança da ex-diretora. O ex-gestor também
está preso.
Joneuma esteve à frente a unidade por nove meses e foi a primeira mulher
a ocupar este tipo de cargo no estado. No entanto, apesar da
representatividade, o que veio à tona após as prisões revela que o conjunto
penal estava sob comando do crime organizado.
O processo mostra que, desde que assumiu o cargo, em março de 2024, a
gestora chamou a atenção das autoridades, especialmente pelas regalias dadas
aos presos. Segundo informações presentes no documento, ela autorizou a
entrada irregular de roupas, freezers, ventiladores e sanduicheiras.
O ex-coordenador de segurança da unidade foi uma das pessoas que revelaram as irregularidades. Em um dos depoimentos, Wellington contou que Joneuma atendia a diversas exigências feitas, principalmente por Dadá.
O homem é apontado pela polícia como chefe de uma facção de Eunápolis,
que é ligada a outro grupo criminoso do Rio de Janeiro. Ele estava preso na
unidade penal até o dia 12 de dezembro, quando aconteceu a fuga em massa.
Entre as regalias apontadas no depoimento, está o acesso de visitas.
Wellington disse que a esposa de Dadá "passou a ingressar no conjunto
penal, sem qualquer inspeção, mediante autorização da diretora".
Relacionamento amoroso dentro do presídio
Outros relatos indicaram ainda que Joneuma e Dadá viveram um
relacionamento amoroso, com relações sexuais, dentro do presídio.
Esse detalhe não foi relatado pelo ex-coordenador de segurança da
unidade prisional, mas Wellington mencionou que Joneuma e Dadá tinham
"encontros frequentes, que ocorriam na sala de videoconferências, sempre a
sós, com uma folha de papel ofício obstruindo a visibilidade da porta pela
abertura de vidro".
O homem disse também que "as reuniões eram sigilosas e geravam
estranheza entre os funcionários devido à regularidade e longa duração".
Custodiada com filho na cela
Quando foi presa, no dia 24 de janeiro deste ano, Joneuma estava
grávida. O bebê nasceu prematuro e segue com ela na cela, no Conjunto Penal
de Itabuna, no sul do estado.
Jocelma Neres, irmã e advogada de Joneuma, nega a existência de um caso
entre ela e Dadá.
Em abril deste ano, Joneuma Silva Neres protocolou um pedido judicial de
auxílio financeiro para cobrir gastos com a gravidez contra o ex-deputado
federal Uldurico Jr. Ela alega que ele seria o pai da criança.
Uldurico Junior afirmou que não responde a nenhuma acusação e que tem
pressa para fazer o teste de DNA. Acrescentou ainda que esteve no presídio para
conversar com vários representantes de cada ala, a fim de falar sobre direitos
humanos.
Denúncia contra envolvidos
O MP-BA ofereceu denúncia contra os indiciados em março deste ano. Além
de Joneuma, Wellington e Dadá, estão os outros fugitivos. Segundo detalham os
depoimentos, antes de fugirem, os detentos, que eram aliados de Dadá, foram
colocados na mesma cela, de número 44.
Eles tiveram acesso a uma furadeira e abriram um buraco no teto da unidade,
no dia 29 de novembro. O barulho não passou despercebido por agentes penais,
mas a diretora só teria tomado uma atitude dois dias depois. Foi neste momento
que, segundo o ex-coordenador de segurança da unidade, ele recebeu ordem de
Joneuma para buscar a ferramenta na cela, juntamente com a equipe.
Os agentes retiraram os presos e, em uma inspeção superficial, encontraram a ferramenta, que, conforme pontuou Wellington, foi mantida pela ex-diretora penal na sala dela por alguns dias. Somente pouco antes da fuga, ela pediu que o subordinado levasse o objeto para a casa dela.
Atualmente, Wellington está preso no Conjunto Penal de Teixeira de
Freitas. A defesa dele informou que não iria se posicionar nesse momento.
Entenda a fuga
O Conjunto Penal de Eunápolis fica em uma área afastada do centro da
cidade, no bairro Juca Rosa. A fuga contou com quatro veículos do tipo SUV e
oito homens portando armas de grosso calibre. Um dos envolvidos, identificado
como Vagno Oliveira Batista, foi preso em fevereiro deste ano, portando uma
pistola. Segundo as investigações, ele era responsável por cuidar do armamento
da facção.
Em depoimento, o suspeito disse que, depois da fuga, foi até a favela da
Rocinha, no Rio de Janeiro, onde encontrou com Dadá e outros cinco fugitivos. Segundo
depoimentos, antes de ser presa, Joneuma também planejava fugir para a capital
carioca e se encontrar com o líder do grupo criminoso.
Fonte: G1